Diário de Bordo - Sérgio

 

10/12/2006

Acordei às duas e meia para meu turno e o vento acabou. Ligamos o motor e motoramos até as sete horas da manhã. Durante o percurso, passamos por quatro ou cinco pesqueiros e precisei desviar de um deles. Estamos cada vez mais perto de Tobago e o trânsito de barcos está aumentando. Quando o vento voltou, desliguei o motor e o Rodrigo acordou. Aproveitamos para tirar o rizo da mestra. Fui dormir na cama de proa, com o mar de popa jogando bastante. Quando acordei às dez, lembramos que hoje faz um ano que saímos de Ilhabela! Ficamos muito contentes, pois provavelmente comemoraremos o aniversário chegando no Caribe! Tive o prazer de escutar o Jonas falar que este foi o melhor ano da vida dele! Acho que, na verdade, foi o melhor ano na vida de todos nós. As crianças fizeram as lições e ficamos todos na expectativa de avistar a ilha, que demorou a aparecer. O tempo estava meio nublado e, onde deveria haver a ilha, víamos só nuvens. Fiz um macarrão com atum para o almoço e, quando acabamos de comer, aproximadamente às três horas da tarde, o Rodrigo avistou terra! Um pouco à direita da direção em que íamos, apareceu um contorno pouco nítido de uma costa pouco elevada. Comemoramos muito e não perdemos mais a ilha de vista. Ela foi se tornando cada vez mais nítida e a vontade de chegar aumentou muito. Quando chegamos mais perto da ilha, pegamos as máquinas fotográficas e colocamos nossas camisetas do rally Cabedelo-Caribe. A costa ao norte era mais elevada e ao sul ia abaixando, onde se localizava o aeroporto. Com o coração aos pulos, nos aproximamos do ancoradouro, numa praia muito bonita ao sul da ilha, chamada Milford Bay. Conseguimos falar no rádio VHF com o pessoal dos outros barcos, que estavam nos esperando. Eram quase seis horas da tarde (Brasil), mas cinco horas locais, quando entramos no ancoradouro. Na hora de baixar a mestra, o único acidente da viagem aconteceu: talvez por ansiedade, soltei muito rápido o freio da catraca da vela mestra, que desceu com tudo, girando a manicaca que estava presa na catraca. Não consegui segurá-la com a mão direita e, ao tentar segurar com a esquerda (sou canhoto), levei três pancadas fortes na mão, até desistir de tentar segurá-la. A vela caiu no cockpit sem maiores problemas, mas minha mão ficou doendo muito, parecendo ter quebrado alguma coisa. Mesmo com dor, arrumamos a vela e fui curtir a chegada. Os barcos Kanaloa, Kaká-Maumau, Beduína e Tess já estavam no local. Fomos passando por eles e eles começaram a tocar suas buzinas e sinos, nos dando boas vindas. O Rodrigo deixou o timão e foi para a proa, onde nos demos as mãos e as elevamos, sinal de alegria, agradecimento e vitória, por termos chegado tão bem depois de dez dias e seis horas de viagem. Logo, o Hugo pulou na água e veio a bordo a nado. O Bernardo e o Hélio vieram de bote, trazendo uma caipirinha, talvez o maior símbolo brasileiro depois do futebol, que foi consumido rapidamente. Soltamos a âncora e logo recebíamos todos no cockpit do Cavalo Marinho, para contar as novidades das travessias de cada um. Foram momentos especiais na minha vida! As crianças encontraram a Talita e fizeram a maior festa! A mão já doía bem menos e percebi que não havia fratura, ficando mais sossegado. Quando começou a escurecer, tomamos um banho de mar na popa e descemos em terra para escutar uma “steel band”, que infelizmente havia acabado de tocar quando chegamos. Ficamos escutando um reagge num barzinho e conversando, enquanto as crianças brincavam de esconde-esconde na rua ao lado do bar. Pedimos um “roti” de carne, comida típica local, para o jantar. Era um tipo de paqueca de milho dobrada, com carne e batatas cozidas, preparada com muito curry e pimenta. Adorei, o Jonas também, mas a Carol não comeu muito, pois não gosta de coisas apimentadas. Conhecemos um brasileiro que mora na ilha e trabalha com mergulho e o Bill, americano que está viajando num catamarã com a filha de uns doze anos. Tomei uma cerveja local muito boa. Após conversarmos muito e as crianças matarem as saudades da Talita, Jesse e Riley, e de brincar com espaço, voltamos ao barco com o bote. Todos se surpreenderam que as crianças não deram trabalho nenhum no barco (ao menos, nenhum a mais do que dariam normalmente em terra) e riram muito com a história dos travesseiros na cabeça, após nosso jibe involuntário. Nossa comemoração de aniversário de um ano de viagem foi de um jeito que eu nunca poderia ter imaginado quando saímos de Ilhabela um ano antes: chegar numa ilha paradisíaca do Caribe, todos bem e alegres, encontrar esse grupo de velejadores amigos, tomar um banho no mar caribenho e escutar, de meu filho, que este foi o melhor ano da vida dele! Obrigado, Papai do Céu! Obrigado Rodrigo, Márcia, Nick e Rafinha! Obrigado Cavalo Marinho!

 

11/12/2006

Acordamos cedo para aproveitar o Caribe e fazer nossa papelada de entrada no país! Logo fiz meu diário e nos despedimos do Kaká-Maumau, que estava indo para Trinidad. Fiz tapiocas para o café da manhã e elas fizeram muito sucesso. Fui com o Rodrigo, o Torres e a Elisa para Scarborough de táxi. Os preços de táxi aqui variam muito e há carros particulares, que fazem o serviço de táxi, bem mais baratos que os táxis convencionais. E aqui eles têm autorização para isso. Scarborough é feia e muito tumultuada e tem um porto (ainda bem que não ficamos lá!). Passamos pela imigração e pela alfândega, onde preenchemos vários papéis, mas foi fácil e relativamente rápido (em cerca de três horas tudo estava resolvido, descontando a hora do almoço). Andamos pela cidade procurando um restaurante e acabamos almoçando no KFC um ótimo sanduíche de frango apimentado (só se vê carne de frango aqui em Tobago!). Fomos para o aeroporto comprar nossas passagens para Trinidad, onde pegamos uma fila enorme. As pessoas aqui têm mania de dar broncas nos outros (dá para sentir uma certa tensão no ar). O Rodrigo tomou uma por estar apoiado num balcão na companhia de aviação. Pode ser coincidência, mas sempre que vi alguém dar bronca, era sempre um branco num negro ou vice-versa. Voltamos no final da tarde para a praia e quando pegamos o bote para ir para o barco, deixei cair meu celular na areia. Quando corri para pegá-lo, uma onda veio e o “lambeu”. Chegando no Cavalo Marinho, desmontei o que podia e lavei com água doce. Espero que ele não dê problemas, pois é com ele que faço minha conexão de internet. Deixamos as coisas no barco e fomos para a linda praia da frente dos barcos, onde estavam todos. O pôr-do-sol foi lindíssimo, com o sol se pondo atrás dos veleiros. Anoiteceu e ficamos ainda na praia, conversando com o Hugo, Gi e Talita. Retornamos aos barcos onde tomamos banho e jantamos macarrão com a tripulação do Beduína, vendo o céu estrelado do Caribe e tomando vinhos, conversando sobre nossas respectivas viagens. Eles adoraram Lençóis! Pelo que disseram, é muito legal e, se Deus quiser, ainda vamos conhecer o lugar numa próxima viagem.

 

12/12/2006

Reprisamos as tapiocas no café da manhã. O pessoal gostou muito mesmo! Pena que não vão achar goma de tapioca no Caribe e a que levamos acabou. Fomos até o Beduína para copiar fotos para um CD e, depois, as tripulações de todos os barcos foram mergulhar em Bucoo Reef, com os botes de apoio. O lugar é muito bonito e a água é quente e transparente. Vimos muitos peixes, quase todos iguais aos nossos e muitos corais que não temos no Brasil. Quando fomos mudar de lugar, o Rodrigo viu uma ilhota de areia e fomos para lá. Que lugar incrível! A ilhota tem uns dez metros de comprimento por quatro de largura e, de lá, se vê a parte interna de Bucco Reef. Simplesmente via-se todas as cores possíveis de água, pois ao lado do banco, a profundidade varia muito. É lindíssimo! Mergulhei ao lado do banco e encontrei várias conchas parecendo os nossos “pregoaís”, só que bem maiores, do tamanho de um punho fechado. Sempre que eu sonhava com alguma coisa do Caribe, era com um lugar desses! Ficamos ali um bom tempo e resolvemos voltar para a praia em frente ao barco. Deixamos todos lá e fui para o barco com o Rodrigo para a dura tarefa de acabar de fazer as malas. Quando retornamos para a praia com o bote, havia muitas ondas e o Rodrigo entrou no tempo errado da onda, na frente de uma grande. A onda veio por trás e levantou o bote, que atravessou e nos jogou na praia! Rodrigo, que estava atrás, deu um salto digno da Daiane dos Santos e caiu em pé quase no seco. Eu fiquei no bote e levei um bom banho! Após curtir a gostosa praia caribenha, resolvemos que era hora de buscar as malas. Nossa entrada na água com o bote foi digna da saída, com outra onda nos pegando e outro pulo (não tão estiloso desta vez) do Rodrigo. Desembarcamos as malas na outra praia, para não haver riscos e as levamos para o restaurante onde iríamos jantar. Foi engraçado entrarmos no chique “Coco-Café” só de sunga, com areia nos pés e carregados de malas. Para piorar, a sunga de banho fora do Brasil leva o termo genérico “speedo” e, pelo que falaram, só gays usam. O Ken (canadense) e o Bill (americano) brincaram muito conosco na praia com isso. Como diziam: “Speedo: ou é gay ou é brasileiro!”. Após o delicioso e caro jantar, no qual fomos convidados do Rodrigo e da Márcia, fizemos a parte dura da viagem: despedir dos amigos, pois todos vieram ao restaurante. Com lágrimas querendo vir aos olhos, abraçamos o Ken, a Ângela e as crianças do Tess, o Bill e a Katherine do barco americano que conhecemos aqui em Tobago, o Torres e a Elisa do Kanaloa, o Hugo, a Gi e a Talita do Beduína (com direito a lágrimas das meninas novamente) e nossos anfitriões Rodrigo, Márcia, Nick e Rafinha. Esse grupo de amigos queridos soube nos cativar completamente nesses muitos dias que passamos juntos e esperamos que eles tenham excelentes dias em suas navegadas pelo Caribe. O Jonas quis passar outro abaixo assinado para ficarmos mais, mas não deixei! (rsrsrs). Pegamos o táxi e o Rodrigo, Hugo, Nick e Talita foram conosco para o aeroporto. Despedimo-nos novamente e entramos no pequeno avião a hélice que nos levou para Trinidad em vinte minutos. Lá, uma van nos esperava para nos levar a um hotel próximo ao aeroporto, ruim e muito caro (paguei US$ 130,00 para dormir cinco horas). Já sentíamos falta dos amigos que queriam nos fazer ficar para as festas de final de ano de qualquer jeito. Mas a viagem para o Caribe já valeu! E Muito!!!

 

13/12/2006

Acordamos eram cinco da manhã e fomos com a van para o aeroporto. Às oito embarcávamos para Caracas e o vôo foi bonito, sobrevoando Trinidad e o belo litoral venezuelano. Chegamos eram nove e vinte para uma longa espera no aeroporto. Nosso vôo estava marcado para as 22:40 hs. Visitamos várias vezes as lojas Dutty Free e almoçamos um calzone num lugar ruim, onde tentaram nos enganar no troco e, mais tarde, descobrimos uma lanchonete com gostosos sanduíches para o jantar. Conhecemos no aeroporto o Guilherme, um rapaz de Campinas, com quem ficamos conversando um bom tempo. Nosso avião só levantou vôo depois da meia-noite e teve de fazer escala em Manaus para reabastecer. Durante o dia lembramos muito do filme “O Terminal”, com Tom Hanks. Quem já assistiu, sabe porquê. Quem não assistiu, assista, pois é muito bom!

 

14/12/2006

Após uma noite muito mal dormida, pois o avião da Varig que nos transportava era pequeno e o banco não reclinava quase nada, chegamos em Guarulhos. Isso mesmo! O vôo era Caracas-São Paulo e depois outro São Paulo-Recife. Com o atraso de Caracas, chegamos faltando menos de uma hora para pegar o avião para Recife. Para piorar, perderam nossas malas! Quando elas foram encontradas, foi a maior correria para passar pela Anvisa, Imigração e Alfândega, que foram rapidíssimos! Corri para despachar a bagagem para Recife e foi a conta exata para entrarmos no avião, cujo vôo não estava atrasado. Não deu nem para ligar para as pessoas queridas de Sampa para matar saudades. Após três horas, chegávamos finalmente em Recife. Posso dizer que os dez dias no mar para chegaro ao Caribe, foram muito mais confortáveis do que a volta de avião!!! Almoçamos no aeroporto e pegamos um táxi para o Cabanga, onde o Fandango nos esperava totalmente em ordem, sob os cuidados do sr. Hélio. A primeira coisa que fizemos foi tomar um bom banho de chuveiro e depois fomos carregar o barco. A água de coco da Dna. Lindalva nos esperava e fomos até o “palhoção” tomá-la. Que delícia! Lá encontramos o Cleidson e sua esposa e soubemos que o apelido dele, “Torpedinho”, vem de um tio, que tem a engraçada estória de ter entrado feito um “torpedo” com um day sailer zerinho no costado de um Brasília 32, por não saber manobrá-lo. O tio, que fez essa trapalhada, ficou conhecido como “Torpedo” e o Cleidson herdou o apelido. Fomos dormir cedo, depois de conversar bastante com o simpático casal, pois o sono de duas noites mal dormidas não me deixava ficar com os olhos abertos.

 

15/12/2006

Acordamos tarde como merecíamos, arrumamos algumas coisas no barco e fomos tomar nosso café da manhã no “palhoção”, com água de coco e salgados da Dna. Lindalva. Lá, conhecemos o Felipe, dono do Kilimandjaro, que está com a esposa e a filha retornando para Angra, após haverem trazido o barco e corrido a Refeno. Conversamos um pouco e ele disse que está sem motor e está providenciando a instalação de um painel solar para o piloto automático para poder voltar apenas velejando. Fomos ao supermercado e aproveitei para mandar cortar o cabelo da Carol, que havia formado um nó na viagem para o Caribe. Ficou legal e mais fácil de cuidar. As crianças viram vários brinquedos e escolheram o velho carrinho “Pé na Tábua” (quem tem mais de quarenta anos vai lembrar!) para presente de Natal. Após as compras, almoçamos no supermercado mesmo e retornamos ao clube. No clube, arrumamos as compras e logo as crianças estavam brincando com os carrinhos, ao lado da piscina. Encontramos novamente o Torpedinho, que nos trouxe o computador e os pilotos automáticos (o Jarbas e o Alfredo), que ele havia guardado para nós. Fomos dormir cedo outra vez, após ter respondido um monte de e-mail’s atrasados.

 

16/12/2006

Acordei cedo e logo começamos a preparar as coisas para sair: abastecemos o barco com água, testamos os eletrônicos e deixamos tudo nos lugares protegidos. Fui até o clube, paguei as diárias e informei a saída. Deixei as crianças brincarem mais um pouco com os carrinhos, enquanto eu tomava um banho de piscina e depois fomos para o barco. Arrumamos os cabos para a saída, desinflamos e guardamos o bote, informei a Capitania dos Portos de nossa saída e quando eram 13:45 hs deixávamos Recife. Na saída, um susto: haviam removido as balizas de sinalização do canal e encalhamos duas vezes! Saímos com cuidado (ainda bem que o fundo é lama mole) e seguimos para o porto. Saímos velejando com um bom vento leste e coloquei a linha de pesca na água. Ainda em frente à praia de Boa Viagem, o molinete “cantou” e pegamos uma bonita cavala com uns três quilos! Enquanto navegávamos, fiz dois grandes filés para salgar e outros dois que viraram sashimi, que comemos ao pôr-do-sol! Tem que ter sempre shoyo e limão no barco para essas ocasiões! O dia e a noite foram de boa velejada. Cruzamos por muitos barcos de pesca, desviando de todos. À noite, o vento apertou um pouco e fiz o segundo rizo na mestra para as crianças dormirem bem. O céu estava todo estrelado e a noite sem luar. De madrugada senti muito sono e chamei a Carol para ficar vigiando enquanto eu dormia uma hora ao seu lado.

 

17/12/2006

Assim que amanheceu, chamei o Jonas e fui dormir. Passei o dia, que estava muito bonito, todo ensolarado, quase todo dormindo. Desistimos de parar em Maceió para dormir, pois consegui descansar bastante durante o dia. Para o almoço, peguei um dos filés salgados, cortei-o e fiz um risoto com peixe, leite de coco e ervilhas. Ficou ótimo e as crianças adoraram. Durante o dia, um navio grande passou a meia milha de nós. Outra noite totalmente estrelada se apresentou, após um belo pôr-do-sol. O vento continuou de nordeste e fazíamos seis nós de média. Assumi meu turno à noite e passamos bem perto (a cem ou duzentos metros) de um grande navio e precisamos desviar para evitar o choque. Apesar de tê-lo visto bem longe, só consegui entender para onde ele ia quando estávamos bem perto. Nós tínhamos prioridade de passagem, mas não dá para discutir com um monstro daqueles! Dá gosto navegar nestas noites estreladas e quentes do nordeste, quando o vento sempre dá os ares de sua graça!

 

18/12/2006

Ao amanhecer, chamei o Jonas e fui dormir. Dormi bem por três horas e fiz a navegação. Voltei para a cama, dormi até as dez e levantei para fazer o café. Tudo fica mais fácil na cozinha com o mar sem ondas e o barco pouco adernado. O vento continuava de nordeste, com 12 a 15 nós, proporcionando uma velejada muito tranqüila. Colocamos a genoa em asa de pombo, armada com o pau-de-spinnaker. Tomamos um gostoso banho de mar com balde na parte da tarde e eu dormi mais um pouco, para poder agüentar o longo turno da noite. Já batemos nosso recorde de travessia com apenas nós três velejando, que era de 45 horas, na travessia Salvador-Maceió. As crianças se divertiram o dia inteiro, criando joguinhos de palavras e outros. Almoçamos miojo, pois todos estávamos com saudades e deixamos o peixe salgado para amanhã. A velocidade média do barco é de 6,5 nós, o que nos está colocando rapidamente próximos de Salvador. Ao anoitecer, outro céu totalmente estrelado e sem nuvens se apresentou. Junte-se a isso o mar sem ondas e o vento constante e temos a velejada perfeita! Queria que muita gente estivesse aqui para ver isso. Acho que esta é a melhor travessia que já tivemos, até o momento. Chegando perto de Salvador, alguns navios passaram por nós em rumos paralelos. Uma pequena ave marinha preta nos visitou e ficou a noite toda tentando arrumar um poleiro adequado para descansar. O lugar que ela mais gostou foi o pau-de-spinnaker, só que ele balançava demais por causa da genoa. Quando era meia-noite, um grande navio passou ao nosso lado, rumo à Salvador. Precisei desviar um pouco o rumo para ter mais segurança. O turno foi tão tranqüilo que consegui acabar de ler o livro “Pai Rico, Pai Pobre”, o que era meio paradoxal sob o céu estrelado e a simplicidade da vida que levamos.

 

19/12/2006

A noite transcorreu tranqüila. Quando amanheceu, chamei o Jonas para assumir o turno e nós já estávamos perto de Salvador. Acordei duas horas mais tarde com um pouco de chuva caindo, que não durou dois minutos. Já se viam de perto todos os prédios da orla de Salvador. Nos aproximamos do farol da Barra e passamos entre ele e o banco de Santo Antonio. Como é bom rever Salvador! Já estamos ansiosos para rever os amigos que temos na cidade. Na chegada no CENAB, vimos o Compostela, do Rolim e sua esposa. O CENAB estava cheio de barcos franceses do rally “Iles de Soleil”. Eram nove e quarenta e cinco da manhã quando chegamos e o Nelson, do Salmo 33, nos ajudou a encostar. Batemos um papo contando as novidades dos amigos. Nossa travessia durou 68 horas e foi deliciosa! Fiz ovos fritos com pão para o café da manhã e, após um bom banho, fomos levar as roupas para lavar e comer salgados e tomar sorvetes na Cubana. Encontramos algumas novidades no alto do Elevador Lacerda: um trenzinho para passeios, charretes e uns carrinhos parecendo carros de golfe! Aproveitamos e fomos comprar umas coisas na rua Sete e lá as crianças viram como fica o centro de uma cidade em vésperas de Natal. Retornamos ao barco e tivemos o prazer de encontrar com o Edélcio, do Tiki! Ele está a alguns dias em Salvador com a namorada e ficamos no Fandango contando nossas histórias. É ótimo rever amigos! Ele ficou um bom tempo na baia de Camamu e em Marau. Após muitas histórias, acabei indo deitar cedo, pois o cansaço dos últimos três dias viajando bateu com tudo!

 

20/12/2006

Acordamos cedo e logo fiz o café da manhã. Tirei o dia para atualizar os diários. Fui para o restaurante em cima do CENAB com o computador e lá fiquei um bom tempo. O Edélcio nos convidou para um churrasco no Tiki e lá fomos nós muito contentes, pois o Edélcio cozinha muito bem! Ficamos conversando com ele e a Meire todo o final de tarde. Velejadores, quando se encontram, sempre têm muito o que falar: lugares novos para ir, notícias de outros velejadores, caixa de bordo (que é sempre uma preocupação constante) e como outros velejadores o gerenciam e as aventuras de cada travessia, com muita informação técnica sendo passada! Ficamos lá até anoitecer e então fomos encontrar com os Hagge. As crianças estavam ansiosas para encontrar o Victor e eu para encontrar o André e a Adriana. Eles nos pegaram no clube e fomos para a casa da simpática mãe do André, pois eu levei o computador e queria mostrar fotos dos lugares pelos quais passamos. Conversamos bastante da viagem, principalmente da travessia para Tobago. Eles tomaram um susto faz pouco tempo com a travessia de catamarã de Morro de São Paulo para Salvador. O catamarã que saiu depois do deles quase afundou, o capitão havia dado a ordem de abandonar o barco e um senhor de 61 anos morreu. O catamarã em que eles iam fez uma travessia péssima, com praticamente todos os passageiros passando mal. Tentei mostrar para a Adriana que, cruzeirando, nossa maior segurança é não ter horário para nada. Se o mar está ruim ou a previsão de tempo não é favorável, não saímos ou voltamos se sentimos que “a coisa” não está boa, o que é bem diferente de um barco comercial. Outra diferença fundamental, é que você conhece seu próprio barco e sabe como está a manutenção dele, o que não acontece quando entramos num barco de outra pessoa ou uma empresa de turismo. Vimos muitas fotos, falamos bastante contando histórias, mas o tempo foi curto para tudo que tinha que ser falado. Recebi a boa notícia que eles estariam descendo a costa de carro em janeiro e provavelmente iremos nos encontrar pelo belo litoral baiano. Eles nos levaram de volta ao clube e convidamos o Victor para dormir conosco no barco. Adivinha se ele não aceitou? Fomos com nosso convidado para o Fandas e a única coisa difícil foi fazer as crianças pararem de falar para poderem dormir, pois elas querem matar todas as saudades de alguns meses em poucas horas. E já era mais de meia-noite!!!

 

21/12/2006

Mesmo indo dormir tarde, as crianças acabaram acordando bem cedo para brincarem. Após o café da manhã, fomos passear no Pelourinho. Apresentamos o “suco de sorvete” da Cubana para o Victor (que gostou muito) e depois fomos passear no Palácio Rio Branco. Em seguida, fomos levar o Victor na Casa Jorge Amado e ele, como leitor voraz, gostou muito desse templo de cultura de Salvador. Tomamos um café, vimos tudo novamente, apresentando para o Victor e depois passeamos mais um pouco pelo Pelourinho. Procuramos um cinema 180 graus, com filmes de Salvador, que fechou definitivamente. Que pena! Parecia ser interessante. Todo o Pelourinho está enfeitado para o Natal e vimos palanques onde haverá um coral hoje à noite. Almoçamos num restaurante por quilo e depois fomos ao Museu do Dinheiro, que foi muito interessante e acho que as crianças aprenderam bastante sobre a “virtualidade” do dinheiro e seu valor. Descemos o Lacerda e andei por algumas lojas de material de pesca e mergulho, procurando umas coisas que precisava. Voltamos ao barco, onde as crianças ficaram brincando e, então, fomos buscar as roupas lavadas na lavanderia. Anoiteceu e as crianças continuaram brincando com joguinhos e desenhos, além de inventar estórias. É muito bom vê-los juntos e eles se dão super bem. Quando eram quase oito horas, fomos para a cidade alta ver um coral de 150 crianças cantando músicas natalinas. O espetáculo foi muito bonito e a praça estava cheia de gente. Depois dele, sentamos num banco ao lado do elevador Lacerda para esperar o fluxo de pessoas no elevador diminuir. É difícil descrever a beleza do lugar numa linda noite de véspera de Natal: os prédios todos enfeitados com luzes, a linda baia negra limitada pelas luzes de Itaparica ao longe, os navios iluminados no meio dela, contrastando com o negro e os prédios antigos, tudo regado com o alegre povo baiano passeando pelo local com o espírito natalino. Salvador é muito, muito bela! Voltamos para o barco e um pouco antes do André e da Adriana chegarem para pegar o Victor, recebemos a visita do João Carlos e da Virna (irmã da Adriana), que estavam passeando aqui perto com um casal de amigos e pararam para nos ver. Conversamos bastante, contamos de nossa ida para o Caribe e soube notícias do pai do João Carlos, que está com um “brinquedo” novo: uma bela lancha de 21 pés para curtir a Baia de Todos os Santos. O André, a Adriana e o Marcelo chegaram e nos despedimos do Victor. Passaremos o Natal na casa deles e nos veremos novamente no dia 24 de dezembro. Acessei a internet e li o e-mail que o André me enviou com o relato de algumas pessoas que estavam a bordo do catamarã que quase afundou. O primeiro pedido de socorro para a Capitania dos Portos foi feito através de um celular por um mergulhador que estava a bordo do catamarã, diretamente para o Capitão-dos-Portos Miranda. Isso mostrou duas coisas: a importância desse eletrônico a bordo na navegação costeira e a importância de se ter uma pessoa de fácil contato num cargo dessa importância (logo que chegamos a Salvador, o Comandante Miranda nos passou seu celular pessoal para qualquer urgência que tivéssemos). O socorro foi imediatamente disparado e o acidente só não se transformou numa tragédia de grandes proporções por causa disso.

 

22/12/2006

Hoje o dia foi praticamente todo usado para atualizar os diários e a página da internet. É claro, que eu estava muito bem acomodado no andar superior do CENAB, onde há um bar e a maravilhosa vista dos barcos da marina, do Forte São Marcelo, do elevador Lacerda, Mercado Modelo e cidade alta. Trabalhar com uma vista dessas dá gosto! No final da tarde, íamos para a rua Chile pegar um ônibus para o aeroporto e encontramos algo inusitado: congestionamento no elevador Lacerda! Havia só um elevador funcionando e a fila estava enorme, do lado de fora na calçada. Pegamos um táxi que nos enganou e fez um percurso muito mais longo. O ônibus para o aeroporto é muito bom, tem até televisão e vimos um lindo pôr-de-sol no caminho. Só não podemos falar bem do gosto musical da companhia de ônibus, que colocou um vídeo do “Olha o Tchan”, onde as crianças foram apresentadas à música “Na Boquinha da Garrafa”! É o fim da picada! Chegamos logo ao aeroporto e ficamos esperando o vôo da Lu, que atrasou quatro horas! Mas logo ela chegou e jantamos no aeroporto, já matando saudades. Voltamos com um táxi e, após boa negociação, pagamos metade do primeiro valor que outros taxistas haviam pedido. Estávamos cansados e logo fomos dormir.

 

23/12/2006

Dormimos até tarde, mas assim que acordamos, a Lu começou a entregar os presentes que trouxe dos amigos e parentes de São Paulo. Foi uma festa! Ganhamos muitas coisas bonitas e as crianças logo começaram a brincar com os presentes. Após um bom café da manhã, com o dia muito quente, pegamos uma mangueira e tomamos um banho de água doce no cockpit do Fandango. Que refresco! Queríamos ir para a praia, mas o dia estava tão quente e a preguiça era tão grande que ficamos no barco mesmo, na sombra e água fresca! No final de tarde fomos dar um passeio no Pelourinho e comemos salgados e acarajés ao lado da Cubana, com os deliciosos sucos de sorvete. Visitamos uma igreja ao lado da igreja de São Francisco e depois fomos ao Mercantil Rodrigues, comprar coisas que faltavam no barco. Com dor nas pernas, após muito passeio e um supermercado cheio de gente na antevéspera de Natal, voltamos ao Fandas. Antes de dormir, ainda ficamos conversando no restaurante do CENAB, cuja vista à noite também é lindíssima.

 

24/12/2006

Acordamos tarde novamente e logo fizemos um excelente café da manhã, com um super-omelete e torradas com queijo, tomate e orégano. Queríamos ir a uma praia e a escolhida foi a da Barra, ao lado do farol. O táxi não foi caro e logo estávamos curtindo a praia, muito linda para uma praia no centro de um enorme capital! A água estava limpa e aproveitamos para mergulhar. Encontramos uma grande âncora totalmente coberta de coral e vimos várias louças quebradas entre as pedras. A louça tinha cara de nova, mas a âncora parecida estar lá há muito tempo. A água está numa temperatura excelente e acho que na nossa descida da costa faremos muitos mergulhos. Retornamos à marina e tomamos nosso banho e nos arrumamos para ir à casa dos Hagge. Eram oito horas quando o André chegou para nos pegar. Lá fomos nós todos contentes para a festa de Natal na casa de nossos amigos. Sem entrar muito em detalhes, foi uma deliciosa noite de paz e alegria, no seio de uma família querida e feliz, que nos recebeu maravilhosamente bem, como se fôssemos seus irmãos. As crianças brincaram muito, comemos as delícias que a excelente cozinheira da Adriana fez, trocamos presentes e, como tudo que é bom acaba logo, a noite passou como se fossem cinco minutos! Pensamos em muitos de nossos amigos e parentes, pessoas queridas com quem gostaríamos de estar também, mas isso vai ter de ficar para o ano que vem, porque o “sotaque” deste Natal é baiano e curtimos muito a alegria deste povo! Muito obrigado André, Adriana, Victor, Marcelo, Virna e Dna. Soraia!!!